O genocídio de Ruanda
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- joaquimnery
- 23 de agosto de 2015
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- África Ruanda
04 de agosto de 2015
Saímos pela manhã para um passeio por Kigali, a capital de Ruanda. A principal atração da cidade é o Memorial do Genocídio. O Museu foi construído com o objetivo de preservar a memória do mais dramático episódio da história do país, e uma das maiores tragédias da história recente do Mundo.

A visita ao Memorial nos leva a uma série de salas onde são projetados filmes, acompanhados de fotografias e cartazes, que contam a história de Ruanda, os precedentes que levaram à deflagração do genocídio, e registram os momentos de terror que o país viveu.

Existem filmes, com relatos dramáticos de sobreviventes, e outras salas com objetos que testemunharam o massacre praticado pelos hutus. É impactante também, a visita à sala do ossuário, onde ossos e caveiras, fraturadas pelos golpes de facão e enxada, estão expostos para que a história não seja esquecida jamais.

Quando as potências europeias dominaram a África a partir do século XVIII, mas sobretudo no século XIX, desrespeitaram as fronteiras territoriais das tribos africanas. Separaram tribos, a partir de fronteiras que foram criadas sob interesse e poder dos países europeus, ao mesmo tempo em que, reuniram nos mesmos territórios, tribos rivais. Foi o que aconteceu nesse “miolo” da África, formado por Ruanda, Burundi e Uganda, onde os Tutsis e os Hutus, inimigos ancestrais, que tinham os seus próprios territórios e respeitavam mutualmente as suas próprias fronteiras, foram obrigados a conviver num mesmo espaço, sob o domínio do colonizador.

Os belgas, que chegaram a Ruanda em 1923, levaram educação, melhorias nas condições de saúde e infraestrutura. Elegeram os Tutsis como seus aliados e a eles foram dadas as melhores oportunidades, como acesso a saúde, educação e, aos melhores empregos. Tomaram partido da rivalidade entre os dois grupos e mantiveram os Hutus em condições desfavoráveis, sem acesso a educação e com as piores tarefas, na relação de emprego.

Em 1962 veio a independência e o país passou a ser governado por Grégoire Kayibanda, um líder hutu, repressivo e centralizador. Segundo Kayibanda: “Hutus e Tutsis são duas nações em um único Estado. Duas nações que não têm relações ou simpatia, que ignoram seus hábitos, pensamentos e sentimentos como se fossem habitantes de planetas distintos.”

Os tutsis são originários da região do Sahel, ao sul do Saara, descendem de tribos do Sudão e da Etiópia, são altos e magros e isso os diferencia dos hutus que descendem dos bantos e de tribos do centro sul da África. São mais baixos e fortes.

O ódio entre os dois grupos aumentou com os hutus no poder. No início dos anos 90, a revista Kangura publicou Os Dez Mandamentos Hutus. Um deles era que qualquer hutu que tivesse negócios ou amizade com tutsis era considerado traidor. A propaganda de ódio usava as rádios e TV’s para comunicações de massa.

Os grupos extremistas estavam identificando todos os tutsis de Kigali para um plano de extermínio de 1000 pessoas a cada 20 minutos. O presidente tinha perdido o controle. Algo grande estava sendo tramado. No dia 6 de abril de 1994, às 21:15h, estradas foram bloqueadas, casas começaram a ser invadidas e o massacre começou. A lista de tutsis marcados para morrer tinha sido preparada com antecedência.

As milícias armadas se espalharam por Kigali, bloquearam as ruas para identificar e matar os tutsis. Usavam facões, porretes, armas ou qualquer outra ferramenta disponível. Aqueles que tentavam passar pelos bloqueios eram humilhados, espancados, mutilados, assassinados e atirados à beira da estrada.

O genocídio foi algo monstruoso. Mulheres e crianças eram o principal alvo. O estupro era usado como arma de guerra. Mulheres hutus casadas com tutsis eram estupradas como punição. Genocidas torturavam suas vítimas antes de matá-las. Tutsis eram jogados vivos em valas e então apedrejadas até a morte.

Trezentos mil órfãos. Muitas famílias foram dizimadas. Ruas cheias de corpos com cachorros comendo a carne podre de seus próprios donos. O país cheirava à morte. RUANDA ESTAVA DESTRUÍDA.

Foram 100 dias de insanidade coletiva e terror, com cerca de um milhão de assassinatos brutais, a senha para o ataque aos tutsis era: “cortem as árvores altas”, numa alusão à estatura dessa etnia. Muitos deles tiveram os pés amputados numa forma de crueldade praticada por hutus, para que ficassem ambos, do mesmo tamanho.

Hoje, Kigali voltou a viver. É uma cidade relativamente organizada, limpa, e cresce muito rapidamente. Os sinais de prosperidade e de recuperação do país estão por todos os lados.

Joaquim Nery Filho é geógrafo, agente de viagens e empresário do showbusiness. Apaixonado por viagens e fotografia.
Comments (11)
Lucas joao jhon
29 mar 2018Devemo acabar com esta forama na vida .
joaquimnery
21 out 2015João Bosco,
Recebi sim. Com a correria desse último mês, esqueci totalmente de te agradecer e ainda não tive a oportunidade de assistir, mas estou ansioso. Está na cabeceira da minha cama.
Obrigado, Um abraço
Nery
João Bôsco Monteiro Queiroz
21 out 2015Nery
No último dia 4 de setembro deixei com a atendente da recepção da Central do Carnaval, no Mundo Plaza, uma encomenda para lhe ser entregue.
Espero que você a tenha recebido.
Um abraço
João Bôsco
moises coelho
05 set 2015assistir o filme e fiquei triste em ver como o ser humano trata o outro.o que aconteceu em Ruanda sirva de exemplo para não aconteça mais porque ,e muito triste ver senas como aquela.
joaquimnery
02 set 2015Olá João Bosco,
Tenho certeza que se você voltar a Kigali, vai gostar do que vai ver por lá. A cidade está relativamente organizada e com um “ar” de crescimento, obviamente comparando com outros países e localidades da África. É claro também que as suas emoções são infinitamente mais fortes e as lembranças são reais e doloridas.
Será um imenso prazer trocar alguns minutos de prosa com você, aqui no escritório da Central (Condomínio Mundo Plaza, sala 1809 – Av. Tancredo Neves), mas caso fique mais conveniente para você, pode deixar o brinde na loja da Central do Carnaval do Iguatemi ou do Aeroporto, que recebo.
Um abraço,
Joaquim Nery
João Bôsco Monteiro Queiroz
02 set 2015Nery
Certamente a oportunidade ocorrerá.
Em seu “post” “De volta a África” você diz que é o continente que lhe traz mais emoções.
A mim também e muito profundas pois conheci quase toda a África abaixo da Linha do Equador, em função do trabalho na ONU, e as lembranças, boas e más, estarão marcadas na minha alma para sempre.
Não voltei mais a Rwanda depois que saí de lá. Lá se vão 21 anos. Acho que o tempo reduziu as marcas que adquiri e espero fazê-lo nos próximos anos agora com minha mulher já que , por contingência da situação, ela não pode conhecer.
Desejo deixar um brinde para você. Onde fica melhor deixa-lo? Na Central, na Via Alegria, no Camaleão?
Um abraço
João Bôsco
joaquimnery
30 ago 2015Olá João Bosco,
Que coincidência maravilhosa. Fiquei muito impressionado com a história de Ruanda. Se tivermos a oportunidade de nos encontrar um dia, será um imenso prazer ouvir os seus relatos sobre o período que esteve por lá.
Um abraço,
Nery
João Bôsco Monteiro Queiroz
29 ago 2015Prezado Nery
Autorizo sim, com prazer, a publicação.
Também gosto muito de viajar e leio muita coisa postada por você.
Moro em Salvador e já tivemos a oportunidade de nos conhecer rapidamente,no Centro de Convenções da Bahia, onde fui Gerente de Eventos, durante o período de 2005 a 2009.
Na época a Central do Carnaval realizava a entrega de abadás no Pavilhão de Feiras.
Um abraço
João Bôsco Monteiro Queiroz
joaquimnery
29 ago 2015João Bosco,
Muito obrigado pela sua contribuição. Enriqueceu de forma substancial o meu relato. Se você me permitir, vou publicar o seu rela to no blog. Apenas me confirme.
Um abraço,
Joaquim Nery
JOÃO BÔSCO MONTEIRO QUEIROZ
28 ago 2015Eu fui testemunha do genocídio.
Sou oficial superior da Marinha do Brasil, já na reserva.
De 17 de agosto de 1993 a 18 de agosto de 1994 eu estava em Rwanda como Observador
Militar da ONU. O nosso chefe na missão, o general canadense Romeo Dallaire tentou desesperadamente sensibilizar a ONU para reforçar o número da Força de Paz constituída pelos belgas, os colonizadores do país, mas não obteve o apoio necessário.Ele deu incessantes alertas sobre a tragédia iminente, mas a mídia internacional e as Nações Unidas trataram o assunto com displicência e desinteresse. Assistimos impotentes ao desenrolar de um dos mais sangrentos e dramáticos episódios da história da humanidade.
O massacre começou no dia 6 de abril de 1994. Na véspera os Presidentes de Rwanda e do Burundi, voltavam de uma conferência de paz no Quênia quando o avião que os conduzia foi abatido a pouca distância do pouso no aeroporto de Kigali. Todos a bordo morreram. Foi o estopim para o início da carnificina.
O filme Hotel Rwanda, um pouco romanceado, foi gravado em Kigali, em grande parte no Hotel des Miles Colines, onde era o “headquarter” da ONU.
Muito fiel aos fatos e sem romance, e também gravado em Rwanda, é o filme titulado em português “História de um Massacre”, baseado no livro “Shake hands with the devil”, baseado no livro de mesmo nome escrito pelo General Dallaire quando regressou ao Canadá.
Dallaire ao deixar Rwanda viveu anos de tortura mental, revivendo os horrores diários e, convencido de que com mais pessoal e um mandato poderia ter agido preventivamene e evitado a morte de milhares de pessoas. Ele tornou-se alcoólatra e tentou o suicídio com remédios. Após se recuperar se elegeu senador pela Província de Quebec e criou uma Fundação, que leva o seu nome, para cuidar das crianças e dos órfãos da guerra.
http://www.romeodallaire.com/foundation.html
Gerbis Garfield
24 ago 2015Nesse episódio da história africana ficou omissa uma ação diretiva e defensiva da ONU para equalizar e mediar essa diferença racial por recursos humanos em Ruanda. Nesta época do massacre, faltou um política intervencionista no país para que fossem estabelecidas igualdades aos direitos das etnias. Se tivessem convocado o grande líder Nelson Mandela para fazer a mediação entre tutsis e hutus, com certeza, poderia ser sido evitado esse genocídio massacrante contra um povo desprotegido pelas organizações de paz.
Hoje resta um Memorial do Genocídio, mas seria justo que os remanescentes da etnia tutsi não memorizassem esse massacre covarde, o qual, manchou a história da nação ruandeza e tingiu de terror essa parte da África de vermelho.