O Bloco Camaleão
- 8760 Views
- joaquimnery
- 24 de janeiro de 2021
- 2
- Artigos Bahia Brasil Super Destaque

O CENÁRIO DO CARNAVAL EM 1978
O Carnaval de Salvador passava por um turbilhão de mudanças no final dos anos 70, embalados pela qualificação galopante dos Trios Elétricos, que encantavam e arrastavam multidões pela cidade, sobretudo no circuito da Avenida Sete de Setembro. Foi nesse cenário que um grupo de jovens, com aproximadamente 20 anos começou a discutir a possibilidade de criar um produto novo que pudesse dar uma nova cara e um ambiente empresarial à festa.

Nos reuníamos nas barracas da Praça da Piedade onde observávamos a passagem dos Blocos e Trios Elétricos da época, com destaques para os Trios Elétricos Tapajós, Marajós, Dodô e Osmar, além dos Blocos Jacú, Barão e Trás os Montes. Os Trios e Blocos arrastavam multidões. A festa era absolutamente amadora e resumida a uma grande farra de verão.

No carnaval de 1978 tentamos desfilar num bloco formado pela Bahiatursa, a Empresa de turismo do Estado Bahia, o Broco Tur. Como não tínhamos adquirido as fantasias, fomos convidados a sair. Foi naquele ambiente adverso, que tivemos a ideia de montar um bloco de carnaval para o ano seguinte. Deveria ser um bloco diferente e que tivesse uma preocupação organizacional desde a sua origem.
A ORIGEM DO NOME
A ideia seria reunir um grupo de amigos que pudessem viabilizar a estrutura de um bloco de carnaval. Ainda nessas conversas informais da Praça da Piedade, surgiu o nome do futuro Bloco. A sugestão veio de um amigo comum, o artista plástico Bel Borba, que participava das conversas e inspirados nos camaleões existentes na Praça da Piedade naquela época, pensou em chamar o Bloco de Cama-Leão. A primeira peça de comunicação do que viria a ser o novo bloco era grifada dessa maneira. Ainda no primeiro ano, o próprio Bel Borba sugeriu mudar o nome para Camaleão, considerando que seria uma marca muito mais criativa, pois remeteria ao bicho camaleão e possibilitaria um trabalho artístico maior por conta da capacidade mimética e de adaptação do animal. Já no primeiro ano saímos como Bloco Camaleão.

O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Depois do carnaval de 1978 começamos a pensar sobre como transformar esse sonho em realidade. Os blocos de carnaval que existiam até então eram formados por pessoas que tinham ligações de amizade através de clubes sociais, bairros, colégios ou faculdades. Nós éramos um grupo de amigos sem essas ligações. Estudávamos em faculdades diferentes, nunca frequentamos clubes sociais e o bairro de Ondina, onde morávamos tinha poucos moradores e não seria suficiente para formar um bloco de carnaval.

Fizemos uma viagem na Semana Santa para praias do Nordeste e nas barracas, entre cervejas e caranguejos, começamos a fazer o “planejamento estratégico” do que viria a ser o Bloco Cama-Leão.
O primeiro grande desafio seria convencer as pessoas a comprar um produto que ainda não existia, nas mãos de jovens que não tinham nenhuma experiência prévia com eventos e entretenimento. Precisávamos vender mais de 500 “mortalhas” no primeiro ano para viabilizar o Bloco.
QUEM SAI NO CAMALEÃO É AMIGO DE UM AMIGO SEU. PELO MENOS
Depois de chuvas de ideias nas barracas de praia, pensamos em criar um sistema de vendas piramidal. Eram 4 diretores do que viria a ser o Bloco Camaleão. Cada um dos 4 deveria escolher 10 amigos que tivessem influência em áreas diferentes: bairros, faculdades, etc. Seriam, portanto, 40 amigos. Cada um desses amigos, seriam estimulados a fazer 10 vendas dentro do seu grupo de relacionamento.
Esses “corretores” de mortalhas receberam o nome de “delegados”, pois seriam pessoas a quem o Bloco delegaria a função de vendas. Pelas 10 vendas, cada “delegado” receberia a sua mortalha gratuitamente. Para lançar o Bloco e dar início a esse sistema de vendas, fizemos uma primeira festa do Camaleão, para esses 40 “delegados”, na casa de um dos sócios do Bloco. Os “delegados” estavam eufóricos com as novidades. Distribuímos material de trabalho, que consistia em fichas de inscrição para sócios e adesivos para vidros de carros.
Se tivéssemos sucesso, conseguiríamos 400 vendas e estaríamos próximos da meta de 500. Conseguimos os “Delegados” certos e no primeiro ano emplacamos mais de 900 vendas. Esse sistema de vendas serviu de inspiração para o primeiro grande slogan de comunicação do Camaleão, que dizia: “Quem sai no Camaleão é amigo de um amigo seu. Pelo menos.”
MORTALHA OU MACACÃO?
Para o primeiro ano, precisaríamos tomar algumas decisões estratégicas que seriam fundamentais para o sucesso ou não do Bloco. Qual o modelo do Bloco? Mortalha ou Macacão? Banda de Sopro ou Trio Elétrico?

O Carnaval já dava sinais de passar por mudanças profundas. Em 1978 existiam alguns modelos de sucesso. O Bloco Trás os Montes desfilava com um público jovem e a fantasia era um “macacão” charmoso, que os seus foliões amavam. Os Blocos do Barão e do Jacu desfilavam com “mortalhas” e também eram sucesso. Qual a opção que faríamos para o Camaleão.
O Trás os Montes desfilava acompanhado por um Trio Elétrico enquanto que o Jacu e Os Internacionais eram acompanhados por gigantescas bandas de sopro. O público amava cada uma dessas opções. O Camaleão precisava decidir pensando no futuro. Optamos pela “mortalha” e pelo Trio Elétrico. Fizemos as escolhas certas. Esse foi o modelo que predominou no Carnaval a partir daquela época.

AS PRIMEIRAS FESTAS
Para encantar as pessoas e dar credibilidade aos nossos “delegados”, precisamos fazer alguns eventos. Uma primeira festa foi estruturada na antiga sede das “Bandeirantes”, no bairro da Barra. A festa foi um sucesso para os padrões da época e isso nos animou a fazer uma segunda ainda antes do final do ano de 1978. Fizemos o “Preveillon Camaleão”, antes do final do ano. Quem já tinha comprado a “mortalha” para o Carnaval, ganhava o ingresso e era estimulado a levar os amigos. A campanha dizia: “Procure seu convite com quem lhe inscreveu no Bloco. Leve com você as pessoas que você gosta.” Essas festas ajudaram nas vendas e produziram conteúdo para a imprensa, que começava a falar do Bloco com mais ênfase e naturalidade.
No verão montamos uma sede para atender aos nossos novos clientes, num pequeno centro comercial no bairro da Barra. No mesmo local onde funcionava a maior agência de turismo da cidade, a L.R. Turismo.
A PRIMEIRA MORTALHA
Para criar a estampa da primeira “mortalha”, convidamos o artista plástico Bel Borba, amigo muito próximo dos fundadores do Camaleão, colega de escola e que tinha sido o responsável pelo nome: Cama-leão. Ainda ao longo do ano, o próprio Bel sugeriu mudar a grafia para Camaleão, pois isso permitiria muito mais criatividade para as artes que iriam acompanhar o Camaleão ao longo da sua história de vida.
O desenho da “mortalha” era predominantemente branco. A cabeça do Camaleão no alto do desenho lançava uma grande língua que se transformava numa rua com um casario colonial, que lembrava os becos do Centro Histórico de Salvador.
Nas festas e farras que fizemos ao longo do ano, comemorávamos também a primeira música feita pelo amigo, colega e “delegado”, Marcos Sá. A bela canção de Marcos dizia assim: “Carnaval Sulamericano, nesse ano baiano a sua cor vai mudar….”, numa alusão à chegada do Camaleão.
O PRIMEIRO TRIO ELÉTRICO
Já tínhamos os “delegados”, uma primeira marca, uma primeira mortalha e uma primeira música. Precisávamos de um Trio Elétrico. Com os recursos que tínhamos, conseguimos contratar um trio de menor qualidade na cidade de Maragogipe-BA. O Trio Maragós comandado pelos acordes de “Quinande do Cavaco” se tornou o primeiro Trio do Camaleão.

O Trio Maragós era simples e sem estrutura. Foi testar o som em Salvador na quinta-feira antes do carnaval. O gerador explodiu e tivemos que sair numa gincana louca para providenciar um novo equipamento. Compramos um gerador novo que foi instalado no dia seguinte.

O PRIMEIRO DESFILE
A música que Marcos Sá fez para o Camaleão falava: “Soteropolitano acorde: Vê se pode? Você não está em Istambul. Camaleão passeando pela capital do Carnaval da América do Sul…”.
O Bloco foi um sucesso. Desfilou três dias no circuito da Avenida Sete. O sistema piramidal de vendas, as festas do verão e o sucesso das campanhas e notícias sobre o Camaleão, conseguiram reunir uma multidão de jovens dentro do Bloco que fizeram um desfile encantador. A imprensa foi unânime em reconhecer que o Camaleão foi a mais grata surpresa do Carnaval de 1979.

Joaquim Nery Filho é geógrafo, agente de viagens e empresário do showbusiness. Apaixonado por viagens e fotografia.
Comments (2)
joaquimnery
26 jan 2021Olá Mônica,
Belas memórias.Tempos inesquecíveis e que valeram muito. Decorar o Casarão da Vitória foi uma experiência maravilhosa.
Nery
Monica Garrido
26 jan 2021Adorei esse viagem pelo passado. Vivenciei essa experiência e com imensa alegria e emoção vi passar um filme na memória . Ainda era adolescente, no início dos anos 80, tinha por volta de quinze anos , mas participei ativamente da decoração da sede do camaleão , no Casarão da Vitoria. improvisamos um ambiente bem legal , todo forrado ( chão e paredes) com esteiras e cheio de almofadas feitas com os tecidos das mortalhas do bloco , dos dois anos anteriores . Éramos um grupo de jovens bem animados , estudantes do Colégio Sophia Costa Pinto e alunos do Prof . de Geografia mais legal daquela época, rs,rs. Integrava esse grupo, dentre outros, eu, Mônica Garrido, Vera Garrido , Paula e Maria Luedy, Sônia Bicalho, Waldomiro, Wilson Sérgio …Bons tempos!